Qualidade de Narrativas para Jogos — Um Guia do Básico (Parte 2)

Na parte anterior falamos sobre como economizar nos textos, como a primeira impressão é importante e a importância de alinhar a sua gameplay com a narrativa. Agora vamos encerrar com mais algumas coisas valiosas que garantem a qualidade da narrativa do seu jogo.

Uma História Para o Seu público

Lembre-se: nada é capaz de agradar todo mundo. Todos nós direcionamos um jogo para um determinado público e nosso plot deve estar de acordo. Assim como determinadas pessoas gostam de determinadas mecânicas, é claro que certos público têm preferência de gênero literário. São necessárias várias pesquisas para relacionar o gosto literário do público interessado no que o seu jogo oferece.

Se já existe um público definido, a escrita tem que desde o início estar direcionada para ele. É muito importante que todos os capítulos, todas as partes de sua história, estejam de acordo com os interesses dele, ou todo o seu esforço com a narrativa do jogo pode causar um impacto bem menor do que o previsto. Um jogo First Person Shooter cujo público alvo são pré-adolescentes majoritariamente homens dificilmente aceitaria um romance como plot principal. Do contrário, gêneros como ação e aventura seriam o caminho seguro de uma narrativa para essas personas. Antes de começar a escrever, pense bem se o enredo pensado por você agradaria quem você quer agradar e pontue os motivos, deixe-os claros. Faça uma pesquisa, pense no seu estilo de gameplay e de outros jogos similares e através desses dados você terá os interesses do seu público e o principal tema da sua narrativa. Afinal, para que o jogador engaje na narrativa e acredite nela é necessário que ele se sinta parte disso, que isso seja próximo do mundo dele: tem que haver uma identificação! E é justamente essa identificação que é conseguida, ao colocar os gostos do seu jogador em primeiro plano na sua história.

It’s important for developers to try and immerse players, since they are working with fictional worlds. You have to believe the world to enjoy the game, and to do that, you have to feel you are a part of it. – Sarah Elliman

Diálogo no jogo Kingdom Hearts — Square Enix ©

Quanto mais você aproximar a sua história do mundo do seu jogador, mais empatia ela ocasionará e isso fará com que o seu jogo chegue perto de um lado mais pessoal dele. Os jogos que mais emocionam são aqueles em que conseguimos nos relacionar com um personagem, com uma situação ou com um ambiente e, isso não significa que não devemos trabalhar com fantasia: muito pelo contrário. Estamos a todo momento trabalhando com ficção e isso não a invalida. É preciso trabalhar a verossimilhança da sua ficção com a nossa realidade: o surpreendente, o inovador e o estranho podem e devem ser sentidos e entendidos por nós como humanos e, mesmo trabalhando com um outro universo, queremos nos identificar com aquilo em algum ponto, de forma física, psicológica ou emocional.

TL;DR

● O enredo do jogo deve ser composto de interesses pautados no público alvo definido para ele.
● O tema do enredo deve ser baseado numa pesquisa de público alvo e é interessante para ele.
● Deveria ser possível uma identificação do usuário com o conteúdo da narrativa.
● Mesmo a fantasia precisa ser verossímil o suficiente para que o usuário se conecte com ela.
● Quanto mais próxima a história for do perfil do jogador, mais empatia ela causará.

Bom Pacing = Bons Personagens

Por mais que boas ideias e um ótimo planejamento contribuam para que uma história seja bem feita, o que realmente faz a diferença é o ritmo dos acontecimentos dentro dela. Com um bom ritmo e personagens atraentes e bem desenvolvidos, as ideias mais simples podem se tornar maravilhosas histórias. Quando se trata de jogos, isso é ainda mais forte. Quando pegamos um livro, estamos buscando uma leitura agradável, para dizer o mínimo. Quando um jogador começa a jogar algo, ele quer uma experiência única e a agência que ele pode ter na história – que não ocorre nas outras mídias e, é esse o principal diferencial do game como um transmissor de narrativa. Por isso, quando a história possui um ritmo monótono e as coisas acontecem de forma cansativa, qualquer parte do jogo pode se tornar tediosa e dispensável. Nenhum desses elementos sozinho é capaz de estragar completamente uma história, mas o conjunto deles funcionando é o que torna a narrativa uma obra-prima num todo. Os detalhes são importantes e o cuidado com o ritmo da história é algo que tem que partir desde o início, pois o engajamento do jogador é pautado nesse quesito.

Note that this is not just true for story, but for gameplay as well. Games have exposition (we call it the “opening cinematic” and “tutorial level”), rising action (most of the game), climax (final boss fight), falling action (occasionally some post-fight sequence like a timed escape from the building before it blows up), and resolution (end cinematic). You get a more dramatic experience if the dramatic arcs of story and gameplay are aligned and in synch with each other. – Ian Schreiber

O jogador não pode ser jogado em diversas ações sufocantes e emergentes uma após a outra, da mesma forma que ele não pode ficar ficar sem ação e sem senso de urgência por muito tempo. O pacing depende de um grande equilíbrio entre manter o seu jogador empolgado em partes excitantes e mantê-lo interessado mesmo nas partes mais calmas. Ambos os lados têm que oferecer algo no qual o jogador não se sinta cansado demais ou entediado demais. Também, se uma série de acontecimentos importantes se concretizarem de uma só vez, você não terá tempo de desenvolver os seus personagens com maestria. É difícil chegar num nível de perfeição quando falamos de pacing, mas chegar no “adequado” é essencial para continuar fisgando os seus jogadores.

Uma forma de conseguirmos analisar melhor o ritmo de uma história é através da curva de interesse. No livro ” The Art Of Game Design “, Jesse Schell descreve-a como o design momento-a-momento de um jogo, que é onde o jogador é puxado lado a lado por entre contrastantes instantes quietos e barulhentos, excitantes e reflexivos, e amorosos e nervosos.

O modelo de curva de interesse apresentado acima é apenas um dos muitos exemplos que temos de uma estrutura de história comum, que representa como lidar com o seu pacing da forma mais clássica – senão a melhor. Ele também é frequentemente aplicado na gameplay, na progressão de levels de jogos, onde na maioria das vezes ele chega até a ciclar. É importante notar que esse ritmo não deveria ser levado em consideração apenas na história como um todo, mas sim em cada cena, cada capítulo e cada arco. Ao analisarmos de perto tudo possui um ataque, uma complicação e uma resolução e quanto mais isso for evidente nas partes de sua história e compor ela na íntegra, mais a curva de interesse do seu jogador estará assertiva.

É no decorrer das linhas inclinadas do gráfico que estão os momentos ideais para que você desenvolva o seu personagem. Para manter o interesse do jogador nas partes mais tranquilas, livres do conflito iminente, é necessário expor para ele como são os elementos da história. Explorar o universo, o ambiente onde a história acontece, contar um pouco mais da história dos personagens envolvidos, ou qualquer resquício de informação que apele para instigar a imaginação e o emocional do seu jogador pode ser considerada bem-vinda entre os picos e depressões de qualquer estrutura de história.

Sure, the heists must be cool and exciting, but if you want the story to be something that players care about rather than just a vague backdrop for the action, you need more than that. You need to show the players who your characters are, what their personalities are like, and why they’re so set on robbing these places. Maybe the thief is a cop who lived a honest life but is being forced to commit these crimes by a shadowy cartel that kidnapped his daughter. You could sum that up in a line or two like I just did, but that’s not going to make players feel much sympathy for the guy. If you want the story to hit home, you need to get into the details. – Josiah Lebowitz

Detalhes são o que farão seu jogador ter um apego especial aos personagens ou o ambiente. Há uma diferença palpável entre “Existe uma menina” e “Existe uma menina que só canta, não fala”, entende? Uma forma de trabalhar seus personagens é incluir peculiaridades neles, algo que os torna únicos e diferenciados, além da personalidade. É impressionante como personagens com características adversas ao que estamos acostumados ficam na memória das pessoas. Pergunte sobre a montaria que parece uma galinha amarela, grite “Eu vou Equalizar a Sua Cara”, ou mostre uma kriptonita, a marca da fraqueza de um colosso à qualquer um que jogue vídeo games ou leia quadrinhos. Pode ser uma estranheza, uma frase, um símbolo ou até um defeito, mas essas pequenas coisas explicadas numa história fazem um personagem ser lembrado para sempre. Essas minúcias tornam seus personagens queridos e, ao conquistar esse apelo emocional do jogador, o que acontecer com o personagem na história terá muito mais impacto do que antes, elevando a experiência vivida no seu jogo a um outro nível. O mesmo pode ser dito do ambiente: consegue lembrar-se onde existe uma grande árvore branca considera a entidade de um povo azul? Ou então uma rua sem saída num subúrbio povoada por gangues vestidas de verde? Talvez um território povoado por dinossauros robôs?


Screenshot do Jogo Mobile Mystic Messenger — Cheritz © onde as fontes das mensagens diferem para a emoção de cada personagem.

Espace suas reviravoltas, se assegure te ter momentos calmos tanto quanto momentos empolgantes, demarque o início dos momentos empolgantes com uma grande cena, não encha sua história de informações desinteressantes ou ações que não fazem diferença – refine o seu pacing! Trabalhe isso com cuidado e vá desenvolvendo os seus elementos, como se eles fossem evoluindo junto com o enredo (que de fato, é o que eles fazem). Se ainda não ficou muito claro como fazer isso, a melhor forma de conseguir é desconstruir e praticar: pegue histórias que você gosta e conhece e desenhe essa curva de interesse, descreva o trajeto de personalidade dos protagonistas e todos os detalhes que você teve sobre o universo onde a história se passa. Tente escrever seguindo a mesma linha. Continue praticando, se  distanciando cada vez mais do assunto e formato da história. Depois de um tempo, delinear o pacing passará a ser algo natural pra você – como andar de bicicleta.

TL;DR

● O ritmo dos acontecimentos é o que potencializa o engajamento do jogador.
● As reviravoltas do enredo devem estar bem espaçadas.
● A mesma quantidade de momentos calmos e empolgantes deve existir e devem se intercalar.
● O início de momentos empolgantes funciona melhor com uma grande cena.
● Momentos calmos também precisam ser interessantes.
● Personagens e ambientes geralmente são desenvolvidos nos momentos mais tranquilos.
● Personagens são mais interessantes com peculiaridades e características marcantes explicadas/enfatizadas na história.
● O jogador não deveria se cansar nem se entediar com a história do jogo.

O Teste

A Narrativa é algo abstrato e puramente opinativo. Ao analisá-la, deve-se lembrar de que acima de qualquer dado, a experiência do seu público alvo deve ser levada em conta com o conjunto da obra e todos os recursos narrativos envolvidos.

É muito difícil uma história ser igualmente interessante para todos os tipos de pessoa e isso é um ponto de atenção a ser considerado. A melhor ferramenta de validação de uma narrativa e da experiência de um jogador com ela é através de um PlayTest, já que a forma como ela é interpretada e recebida é única e particular – mas pode ter pontos em comum que são melhor validados com um bom teste presencial ou gravado.

Agora que você já sabe o mínimo que uma narrativa de jogo precisa ter pra melhorar 100% a experiência do seu usuário, que tal dar aquela revisada no Narrative Design do seu jogo?

Essa matéria foi escrita por:
Izadora Lima

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