Salve consagrados leitores do Dungeon Geek!
Todos sabemos que grandes companhias de jogos eletrônicos fazem suas próprias apresentações fora da E3, que é a maior atração de jogos para consoles e PC. Uma das maiores empresas do setor, a Blizzard, faz a Blizzcon desde 2005. Sempre apresenta novos jogos, expansões e modos de entretenimento. Além de contar com cosplayers vestidos com personagens icônicos de seus jogos e folclore. E como é uma festa sempre termina com uma apresentação de grandes bandas como Foo Fighters ou Metallica. E estamos falando de algo que mais de 35.000 pessoas vão!
Este ano não foi diferente. Casa cheia no centro de convenções em Anaheim na Califórnia, para saber das novidades dos jogos de PC da Blizzard. Mais de 35 mil aficionados pelo universo de jogos de PC chegaram para saber das novidades.
Entre as novidades, tivemos a remasterização do Warcraft 3: Reign of Chaos e sua expansão The Frozen Throne – esperado para 2019. Também tivemos a adição de um novo personagem, a Ashe para Overwatch e outros detalhes para jogos da Blizzard, como Hearthstone.

Mas o grande reboliço era que a Blizzard havia dito que estava ainda desenvolvendo um de seus jogos mais famosos, Diablo. E seus fãs se preparam para receber a INFELIZ notícia que eles não teriam um jogo novo de PC, mas sim de celular com micro transações. O silêncio do anúncio no salão chega a ser incomodo para os apresentadores e sob vaias de milhares de fãs.
Mas eu deixarei o nosso fã de jogos, Rodrigo Beowulf discursar sobre isso.
Olá leitor(a) do Dungeon Geek. Beowulf aqui. E não existe outra forma de descrever o que aconteceu na última apresentação da Blizzcon 2018 além de um fiasco. Um erro de cálculo tão absurdo e grotesco que a própria empresa é incapaz de entender ou mensurar a proporção do estrago causado à sua imagem, seu produto, aos fãs, e até mesmo o mercado como um todo.
Antes de explicar o que aconteceu, primeiro vamos aos fatos conforme eles ocorreram.
A última parte da apresentação no palco da Blizzcon 2018 chamou atenção logo em seu primeiro momento, ao colocar o logo “Diablo” na tela, e com a entrada de Wyatt Cheng no palco, nada menos do que o atual Lead Game Designer da franquia. Muito tempo antes do evento, já havia uma grande antecipação por algo envolvendo a franquia. Houve um renovado interesse após o relançamento do Diablo 3 para o Nintendo Switch, e por meses havia a expectativa de um anúncio da nova entrada na franquia – que é historicamente negligenciada pela própria empresa que a criou, mas esse assunto fica pra depois.
O quê o público não esperava, entretanto, foi o que se seguiu.
Cheng entrou no palco aplaudido pelos fãs, aplausos estes que apenas aumentaram com sua primeira frase: “nós amamos Diablo”. Cada palavra que se seguiu continha o falso entusiasmo e a precisão estéril de um marqueteiro profissional do mercado de games, recheado com palavras-chave que me fazem bocejar só de lembrar. E com a frase “nós sabíamos que queríamos usar aparelhos móveis como a plataforma para um novo jogo Diablo” os fãs ali presentes já sentiram a primeira facada no coração. Não vou entrar aqui nos méritos e desméritos dos smartphones como plataforma de jogos – novamente, isso fica pra depois! – mas a história nos diz que quando uma empresa diz a palavra em inglês “mobile” (o termo americano para Celular) o público presencial e quem assiste em casa automaticamente já pula o que vem a seguir. Esperando um anúncio de verdade. A frase seguinte de Cheng mostra ainda mais a desconexão com a realidade: “porque nada une mais as famílias do que matar demônios”.
Minha vontade é de vomitar.
Ao terminar a frase, Cheng fez uma pausa, onde geralmente se espera alguma reação do público em eventos como este. Mas não houve nada. Ninguém riu da piada inútil, desconexa e objetivamente errada. Não houve aplauso. Havia apenas silêncio.
“Nós queríamos fazer isso de uma forma que condiz com a Blizzard” Cheng continuou. “Queremos fazê-lo de uma forma que seja verdadeira a franquia Diablo. Estamos criando um completo RPG de ação que você pode jogar em qualquer lugar”. E eu não duvido que, nas profundezas do ego da Blizzard, ela realmente acredite que está inovando em uma coisa que não é verdade desde… bem, desde o primeiro Gameboy? O que são 3 décadas de atraso, afinal?
Após apresentarem o vídeo introdutório do jogo, é possível com muito esforço ouvir algumas fracas palmas, provavelmente de funcionários ou de algumas pobres almas que se agarravam a esperança de que, terminado aquele segmento, algum anúncio real sobre a série Diablo seria feito – lembre-se disto, é importante.
O falso entusiasmo de Cheng retomou seu discurso: “estamos MUITO entusiasmados com este jogo!” disse ele, para uma nova ausência de palmas ou reação. Após mencionar algumas falsas platitudes relacionadas ao lore da série, o apresentador finalmente menciona a segunda bomba: o jogo nem mesmo está sendo produzido pela Blizzard, mas sim por uma desenvolvedora móvel chinesa, a NetEase. Esse foi o segundo tapa na cara dos fãs: deixar a série nas mãos de uma produtora de jogos móveis conhecida pela ganância com microtransações, jogos puramente feitos como caça-níqueis. Só na Play Store é possível encontrar 22 jogos genéricos da empresa chinesa, todos recheados com IGP (in-game-purchases, microtransações que concedem enorme benefício a quem paga em vez de quem apenas joga).
Naquele momento tornou-se claro do que se trata Diablo Immortal. Um “jogo” móvel com o intuito único e exclusivo de capitalizar o mercado chinês: um mercado colossal em tamanho tanto de público quanto de movimentação de capital. Um mercado que consome microtransações de forma tão pesada que é irresistível para acionistas de qualquer grande empresa do mercado de games.
É essa a verdade que a Blizzard jamais irá assumir: Diablo Immortal não é um jogo para os fãs da série Diablo. Eles não dão a mínima para isso. Empresas chinesas – como a própria NetEase! – copiam franquias ocidentais e as lançam para celulares na china, recheados de microtransações. Um mercado gigantesco que em 2015 somou 7 bilhões de dólares. Diablo Immortal é um joguinho rápido, sem esforço, um pacote visual para um jogo já existente: “Endless of Gods” da NetEase. Diversos vídeos no YouTube mostram cenas de jogabilidade de Endless of Gods e Diablo imortal em sequência, e o que se pode observar é que ambos são idênticos.

Deixe-me repetir, com ênfase: Não apenas a Blizzard não está produzindo o jogo, mas nem a NetEase está. Diablo Immortal é um pacote de skins de Diablo para um jogo móvel caça-níqueis chinês já existente.
Se a frase acima não embrulha seu estômago, parabéns: você não sabe o que é sofrer sendo fã de uma franquia que é maltratada desde 2005 com o fechamento da Blizzard North, desenvolvedora original da série Diablo.
Após deixar a bomba no colo da audiência, a apresentação mostrou um vídeo de gameplay, que foi recebido com a mesma reação tépida. É possível ver na gravação da Blizzcon a enorme quantidade de pessoas no público de braços cruzados e evitando aplaudir. Mas ainda certamente havia aqueles com esperança de que aqueles 8 minutos horríveis estavam acabando, e que o anúncio de um jogo de verdade estava quase chegando. Mas não, isso definitivamente não ocorreu. Cheng agradeceu a plateia, anunciando que havia um stand para testar o jogo (que se manteve vazio durante o evento, como fotos demonstram). A cada pausa do discurso para aguardar palmas ou reações, apenas o silêncio imperava. Era possível ouvir uma agulha caindo do outro lado da cidade.

Cheng encerrou a apresentação, e iniciou uma curta série de Q&A (perguntas e respostas) com membros da audiência. O que foi um grave erro. A primeira pessoa logo de cara mostrava-se claramente preocupada, e questionou: “eu vi muitas características no vídeo que nós (os fãs) estamos pedindo para Diablo 3 há tempos. Existe ALGUM plano para trazer o jogo para PC?”. Cheng respondeu prontamente que o jogo é único e exclusivo para celulares Android e iOS, e que não há planos para o PC. Finalmente o público teve uma reação em vez de silêncio, embora não o que Cheng esperava: Vaias. Pela primeira vez em que minha memória é capaz de se lembrar, uma apresentação final da abertura da Blizzcon foi encerrada com vaias e assovios.
E foi nesse momento em que foi possível ver a frustração de Cheng e dos outros membros da empresa, surpresos com a reação negativa do público. Um momento que demonstra não apenas o despreparo e a desconexão da empresa com seus fãs, mas que exemplifica a desmedida hubris da Blizzard. Cheng respondeu as vaias da plateia com a frase que tornou-se meme: “Pô, vocês não tem celulares?”

Neste exato momento, querido(a) leitor(a) do Dungeon Geek, minha vontade é de escrever um parágrafo inteiro de palavrões, tamanho o absurdo da frase dita, tamanha a falta de respeito. Aquilo não foi uma brincadeira, não foi uma piadinha, foi um enorme insulto. Eu sou uma pessoa que não se ofende fácil, muito pelo contrário. Mas se até aquele momento ainda havia alguma nesga por menor que fosse de boa vontade em relação a empresa, agora tudo havia acabado. A apatia havia se tornado rejeição, e agora o que resta é apenas hostilidade, revolta. Um sentimento de traição. Eu digo com frequência que “não devemos atribuir malícia ao que pode ser explicado apenas com a incompetência”, mas a frase de Wyatt Cheng não é fruto apenas de inaptidão com o público ou burrice – você jamais deve hostilizar sua plateia em uma apresentação ao vivo – mas sim malícia. A frase elucidou uma verdade horrorosa que jaz no coração da Blizzard moderna: a empresa não dá a mínima.
A segunda pergunta do público tornou-se um meme ainda maior. Aproximou-se do microfone um rapaz careca, de camisa vermelha, com uma expressão machucada, sofrida, um olhar de quem estava com o coração partido, e que se a idade ou imaturidade permitisse, estaria em lágrimas. O rapaz olhou desafiadoramente para o palco, e perguntou: “Ei, só queria saber, isso por acaso é uma brincadeira de primeiro-de-abril fora de época?”. A pergunta acendeu a plateia com assovios, palmas e gritos de apreciação. Wyatt Cheng ficou claramente chocado e sem graça. Ele tentou desconversar listando todas as plataformas em que Diablo 3 foi lançado, como que tentando desviar a atenção, como se dissesse “a gente já lançou para todo o resto, por favor deixe-nos escapar dessa?”. Ele fez um breve discurso usando a clássica desculpa esfarrapada “nós somos gamers também, nós somos hardcore” mas não colou. O estrago já tinha sido feito há tempos.

A reação da internet foi muito, muito maior do que a Blizzard poderia imaginar. Rapidamente, múltiplos criadores de conteúdo de todas as línguas e localidades imagináveis já caíram matando em cima da empresa. Os vídeos relacionados foram bombardeados com dislikes e comentários negativos. A internet pegou fogo. A empresa tentou relistar os vídeos, apagar comentários, postar novamente o conteúdo, completamente sem sucesso, caindo no chamado “fenômeno Streisand” uma das “leis” da internet que diz que quanto mais você tenta censurar algo, mais aquilo é exposto.
Atualmente, o vídeo “Diablo Immortal Cinematic Trailer” tem 3.520.19 visualizações, com 18.000 likes… e 484 mil dislikes. Quase o dobro de inscritos do canal oficial Diablo.
Um total e completo fiasco.
A imprensa de games americana rapidamente correu em defesa de sua queridinha. Múltiplos artigos, vídeos e monólogos nas redes sociais, feitos por jornalistas profissionais, se esforçaram para tentar salvar a imagem da companhia, e tentar culpar a reação negativa em tudo que puderam imaginar, chamando os fãs de crianças mimadas, de tóxicos, de trolls, culpando de tudo: da “masculinidade tóxica” até mesmo Donald Trump. Todos obviamente estão errados, menos a Blizzard, claro! (#sarcasmo).
Eu queria estar brincando. Juro.
Estes foram os acontecimentos. Agora, vamos ao que importa:
O que ocorreu na Blizzcon 2018 é um dos maiores exemplos da história de como desrespeitar seus fãs, de como ler completamente errado as expectativas do seu público alvo. Aliás, minto! Os fãs de Diablo não são mais o alvo. A Blizzard claramente não dá a menor importância: apenas fez uma fácil parceria com uma empresa terceirizada e emprestou assets e sua marca para tentar capitalizar o gigante mercado chinês de jogos móveis e molhar seu pezinho nos bilhões de dólares de microtransações. Diablo Immortal é um jogo chinês para o público chinês na expectativa de ganhar dinheiro chinês.
Desde o fechamento da Blizzard North em 2005 a empresa não dá importância para a série Diablo e nem seus fãs. Histórias contam da rivalidade que beirava a inimizade entre a Blizzard e a Blizzard North. Uma década se passou quase entre Diablo 2 e 3, e o terceiro jogo da série desde seu lançamento foi marcado por desilusões, fracassos, falsas promessas e descaso. O desrespeito não é novidade para os amantes de Diablo, mas dessa vez não foi descaso ou desrespeito. Foi um Insulto. Foi a gota d’água.
Em um simples e único ato, a Blizzard entregou em uma bandeja de ouro não apenas a lealdade de centenas de milhares de fãs, mas também o mercado dos RPGs de Ação para PC para sua concorrência. Jogos como Path of Exile agora representam o que Diablo um dia representou, pois a franquia agora está decididamente morta: ainda que a Blizzard corra para fazer algo, provavelmente já é tarde demais.
A empresa se esforçou antes e depois do evento em repetir a já cansada frase “nós temos múltiplos projetos da série Diablo em andamento” mas as únicas notícias que se tem é o cancelamento dos quadrinhos, cancelamento de uma possível série animada, a ausência de um jogo legítimo da série, e agora isso: um anúncio porco e ofensivo de um caça-níqueis chinês.
É impossível e burro dizer que não tinha como saber a grande besteira que a Blizzard fez. Neste ano mesmo tivemos outro exemplo de um jogo tradicional para PC que foi bastardeado para uma plataforma casual: a EA anunciou na E3 deste ano uma versão mobile porca e simplificada de Command & Conquer, para a mesma rejeição e asco de que a Blizzard agora é alvo. E era muito simples evitar isso: é só olhar para a atitude de empresas como a Bethesda Softworks e a Nintendo.
A Nintendo tem investido em jogos móveis desde Pokémon Go, passando por Super Mario Run, Animal Crossing, e Fire Emblem – mas sempre deixando claro para ambos fãs e acionistas: tais jogos são adicionais às séries a que pertencem, uma forma de tentar trazer o público casual para os jogos originais. Durante o lançamento do Nintendo Switch, um dos primeiros vídeos de anúncio de jogos da Nintendo trouxe o presidente da Pokémon Company sem mostrar nem sequer uma única imagem do jogo, mas para dizer aos fãs que se acalmem, que a empresa ainda não tinha nada para mostrar mas que já estava trabalhando em um jogo da série Pokémon para o Switch. A mesma apresentação mostrou apenas o logo do jogo Metroid Prime 4, novamente apenas demonstrando que ele está sendo produzido, para que os fãs se acalmem.
A Bethesda anunciou também nesta E3 de 2018 uma versão móvel de The Elder Scrolls, mas mostrou que sabe como lidar com seu público, jogadores primariamente de PCs e consoles: “um jogo extra”, “uma história adicional”, “um projeto paralelo que não tira esforços da série principal”. E logo em seguida na apresentação anunciou apenas com um breve teaser e um logo que já iniciou a produção de The Elder Scrolls VI.
Se a Blizzard fosse competente e não apenas uma casca de seu passado, se houvesse ao menos uma única criatura pensante dentro de sua estrutura empresarial, saberia que estava não apenas matando um gênero e sacrificando uma franquia, bem como sua dignidade. Eu não faço ideia se Diablo IV está ou não sendo produzido, e não tenho a menor ideia de quais outros “múltiplos projetos da série Diablo” estão sendo feitos, mas bastava anuncia-los logo em seguida, tranquilizando assim sua base de fãs sem ofendê-los, sem afastá-los.
Sem causar a perda de valor das ações da empresa.
A Blizzcon 2018 é o evento que entrará para a história, exemplificando como um gigante pode cair. Diablo é apenas a primeira rachadura na torre de mármore onde a Blizzard se senta com toda sua hubris e o ego de que é incapaz de falhar. Os fãs não irão mais apenas observar e aplaudir. O desrespeito e a ofensa aos fãs de Diablo é um importante e grave aviso aos fãs de outras franquias da empresa, que já sofrem com críticas bastante fortes e pertinentes a descasos similares em sua natureza mas não tão profundos quanto Diablo. Franquias como Overwatch, Warcraft e Starcraft. Seus respectivos fãs olham para o que acontece com Diablo como marinheiros que vêem nos ratos um indicador de quando abandonar o navio. Eu falo agora como um ex-fã da série Diablo a todos os outros fãs de franquias Blizzard: Olhem o que fizeram com a gente, e saibam: vocês serão os próximos.
Eu gostaria de estar errado.
Texto Escrito por:
Felipe T. Holzmann
Rodrigo Beowulf
Fonte e direitos das imagens e vídeos de seus respectivos donos.

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